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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Brasília completa 50 anos de inovação e contradições

“Neste dia, 21 de abril, consagrado ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ao centésimo trigésimo oitavo ano da Independência e septuagésimo primeiro da República, declaro, sob a proteção de Deus, inaugurada a cidade de Brasília, capital dos Estados Unidos do Brasil”.

Há exatos 50 anos, essa parte final do discurso de Juscelino Kubitschek foi proferida na inauguração de Brasília, capital federal que substituiria o Rio de Janeiro e abrigaria os três poderes da República. Os prédios do Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio da Alvorada já estavam concluídos no dia 21 de abril de 1960, faltando apenas os edifícios da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, da Fundação da Casa Popular e de algumas outras entidades. Depois de 43 meses de construção, o antigo sonho de interiorizar a capital nacional estava concluído.

A inauguração de Brasília estava inserida no contexto do desenvolvimentismo, uma época em que os governos do Brasil, principalmente os de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954) e de Juscelino Kubistchek (1956 – 1961), voltavam seus esforços na tentativa de industrializar o país. A ideia era associar planejamento e investimento do Estado ao capital privado. “É dentro dessa época que está inserido o governo JK e a concretização desse projeto vago que existia desde os tempos de José Bonifácio: de interiorizar a capital do país”, explica o doutor em História Social pela USP, Gilberto Maringoni.

O cientista político da UnB (Universidade de Brasília) João Paulo Peixoto lembra o contexto histórico dos anos 50 que possibilitou a formação da nova sede do governo. “Foi uma década de desenvolvimento acelerado, de pós-guerra, de efervescência cultural. Esse ambiente favoreceu a concretização dessa ideia”.

A primeira vez que Juscelino mencionou a construção da capital federal foi em seu primeiro comício. O evento aconteceu em uma cidade do interior goiano, Jataí, contrariando o costume geral de iniciar a campanha presidencial em grandes centros. No dia 4 de abril de 1955, JK afirmou em discurso que respeitaria a Constituição. Um dos participantes da plateia, conhecido por Toniquinho, questionou se a transferência da capital para o interior, prevista na Constituição desde a Primeira República, seria realizada. Conta a história que, no mesmo momento, JK decidiu incluir a construção de Brasília – nome dado por José Bonifácio – no seu plano de governo.

Vencidas as eleições e aprovado o projeto na Câmara dos Deputados, o governo iniciou a construção. Trabalhadores do Norte e Nordeste, apelidados de candangos, chegavam ao quadrilátero vazio para levantar a nova cidade, e o fizeram em 43 meses. Esses cerca de 30 mil operários se instalaram nos arredores da sede do governo, constituindo o corpo social brasiliense.

Para Maringoni, podemos dizer que esse fato possibilitou a existência de duas Brasílias: a cidade ideal e as cidades-satélites, com sérios problemas de distribuição de água e luz e com a população pobre. “Brasília é uma distopia, uma contradição. Era uma cidade planejada inserida na realidade brasileira, um país com enormes desigualdades, injustiças sociais e disparidades de rendas abissais”.

De acordo com o Censo 2007, realizado pelo IBGE, Brasília tem 2.455.903 habitantes e o maior PIB per capita do Brasil, o que não impede a miserabilidade de seus moradores. “Brasília é um exemplo de segregação muito avançado. Houve um equívoco neste projeto nacional que acabou levando a um esmagamento social”, reflete a arquiteta e ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo, Ermínia Maricato.

A Proposta e as Contas Públicas

A transferência da capital do Rio de Janeiro para o interior goiano sofreu inúmeras críticas de políticos da época e de alguns analistas de hoje. O principal representante vencido dessa oposição foi o udenista Carlos Lacerda, desafeto antigo de Juscelino. “Brasília contrariou o pessimismo daqueles que não concordavam com o impacto do projeto nas contas públicas. O projeto era justificável do ponto de vista econômico”, acredita o cientista político João Paulo Peixoto.

Já a urbanista Ermínia Maricato acredita que a construção da nova sede de governo saiu cara para o contribuinte brasileiro. “Os planos juscelinistas tinham essa intenção de fazer grandes obras. Havia notícias de corrupção. Foi um grande negócio”.

Quanto ao fato de ter sido transferida para o interior, os dois analistas concordam que, não houve intenção em proteger o corpo de governo, muito menos de dissociar o centro político do centro econômico e social. “A ideia não era a de isolar o governo das forças populares. Isso aconteceu por consequência. A proposta era muito mais megalomaníaca”, aponta Ermínia.

Para João Paulo Peixoto, essa teoria não passa de um mito. “Não há como isolar politicamente o governo, esteja ele onde estiver ainda mais na era da comunicação que vivemos hoje. A alienação política não está relacionada com a distância da capital federal. Ela já existia antes”.

Do Rio de Janeiro para o Nada

Antes da Novacap, empresa que comandou a construção, presidida por Israel Pinheiro, do projeto urbano de Lúcio Costa e da arquitetura de Oscar Niemeyer, Brasília era um território tomado pelo vazio do cerrado. Nomeado como Quadrilátero Cruls, o espaço destinado para a construção do Distrito Federal foi estabelecido em 1893.

“Construir uma cidade do nada, como foi Brasília, é muito mais difícil do que incluir a capital em uma cidade já desenvolvida”, afirma João Paulo Peixoto.
Para o também arquiteto formado pela FAU-USP, Gilberto Maringoni, Brasília não dista das outras cidades brasileiras, que passam por reformas, construções e reconstruções, sem se preocupar com a manutenção de sua característica histórica. “Talvez Brasília seja a caricatura da sociedade brasileira e desse costume de se construir e destruir a mesma cidade. Se você anda pela avenida Paulista, ela parece ter 30 anos, e não 130”.

Talvez o maior valor de Brasília seja dado ao seu projeto arquitetônico reconhecido internacionalmente. Responsável por ele, o arquiteto Oscar Niemeyer, amante do concreto armado, construiu edifícios com significados subjetivos e formas arriscadas e nunca feitas no Brasil e no mundo.

“Arquitetonicamente foi uma inovação. Niemeyer nos tirou do padrão arquitetônico brasileiro que imitava o neoclássico europeu e trouxe a curva para as construções”, explica Gilberto Maringoni.

A urbanista Ermínia Maricato lembra que essa fase da arquitetura nacional estava muito ligada a aspirações socialistas e ideários que depois do golpe militar foram abandonados. “Até 64, a arquitetura tinha um ideário muito ligado ao Socialismo. Depois de 64, no entanto, o que sobrou dessa inovação foi um casco vazio”.
Para a urbanista, o que ocorreu em Brasília foi uma emancipação da arquitetura sem uma emancipação do país.

“Talvez hoje Brasília seja a maior expressão nacional de uma cidade que aspira ao futuro e ao progresso, mas está presa e ancorada em métodos de disputa política muito fisiológicos e arcaicos”, conclui Gilberto Maringoni.

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